sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Em gravação, Janira Rocha admite desvio de recursos para uso político

FONTE: O GLOBO
04/09/2013

Trecho da gravação disponível no link: http://oglobo.globo.com/rio/em-gravacao-janira-rocha-admite-desvio-de-recursos-para-uso-politico-9824266#ixzz2fRLq10gb

RIO — Gravações que integram o dossiê que dois ex-assessores da deputada Janira Rocha (PSOL) tentaram vender à secretária estadual de Defesa do Consumidor, Cidinha Campos, mostram a parlamentar confirmando ter havido desvio de dinheiro do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social (Sindsprevi/Rio) para fins eleitorais. Parte dos recursos, inclusive, teria sido usado para a fundação do PSOL com a conivência de diretores do sindicato, que teriam assinado documentos atestando que receberam recursos que, na verdade, jamais chegaram ao destino final. Ela admite também que tanto ela quanto outros militantes usaram o dinheiro do sindicato para financiar a candidatura. Ex-diretora de finanças do Sindsprevi/Rio, a deputada era presidente do Diretório Estadual do PSOL e líder do partido na Assembleia Legislativa (Alerj) até esta segunda, mas se afastou dos cargos após as denúncias.

— Nós sentamos lá nas finanças. Pegamos o relatório do Conselho Fiscal e fomos atrás de todas as informações. O que foi e não foi. O que foi para a regional A, B C. Não tem nenhum companheiro de regional que tenha roubado nada, que tenha ficado com dinheiro. Tem companheiro que está levando pecha de coisas com o dinheiro. Mas ele nem ao menos chegou a ver o dinheiro. Ele assinou (que recebeu) mas o dinheiro foi usado para ações políticas que nós fizemos. Ou viajar de avião para o Acre é barato? Ou fazer eleição na Bahia é barato? Ou fundar o PSOL foi barato? Ou dar dinheiro para o movimento classista foi barato? Foi para ação política — afirmou Janira.

Na gravação, Janira demonstra preocupação com uma possível cassação de seu mandato, caso o uso de verba do sindicato no financiamento da campanha viesse à tona. Ela também afirmou que recursos do Sindsprevi/Rio foram usados em outras candidaturas.

No áudio, uma terceira pessoa revela como funcionava o esquema. Pessoas ligadas ao sindicato pegavam dinheiro emprestado de terceiros e as despesas deveriam ser registradas como de rotina do Sindsprevi/Rio. Mas o esquema não funcionou da maneira prevista porque integrantes do Conselho Fiscal procuraram dirigentes regionais tentando comprovar irregularidades:

— Se o Cristiano não intercepta o documento da Elba da Lagos (diretoria regional do Sindsprevi/Rio) não estava mais aqui. A minha cassação estava garantida da forma como ela respondeu. 'Ah, eu fiz sim. Eu assinei que recebi o dinheiro, mas não vi o dinheiro. Assinei a pedido de uma assessora da deputada Janira. Esse dinheiro foi todo para a campanha da deputada Janira'. Qual é o problema? Todos sabem que foi dinheiro para minha campanha, para a campanha do Jefferson, do Pierre... O problema é ter um documento em papel timbrado de uma regional do sindicato de que o dinheiro foi para a minha campanha.

Janira Rocha também admitiu na reunião com integrantes do Sindsprevi/Rio que a administração passada da entidade cometeu sérios erros de gestão. Boa parte da antiga diretoria foi reeleita, mas Jandira não participou da chapa porque já era deputada. As declarações foram feitas quando o grupo traçava uma estratégia para tentar aprovar em plenário as contas do sindicato, que haviam sido reprovadas pelo Conselho Fiscal.

— Nós fizemos merda. Contratamos uma porrada de gente para esse sindicato. O sindicato tem orçamento de R$ 1,5 milhão e temos R$ 800 mil de folha de pagamento. Pegamos dinheiro emprestado por fora das regras do mercado. Porque pegamos direto com agiota. O que temos que fazer. Tem roubo? Não tem roubo. Mas quem tá de fora não entende, não quer saber que é para ação política. Para eles é merda, é golpe — disse a deputada.

A gravação não deixa claro a data em que os diálogos aconteceram. Mas é possível garantir que Janira Rocha já era deputada porque ela tratava de estratégias com o sindicato para promover uma série de audiências públicas na Alerj, onde um plano salarial seria discutido. A deputada afirmou ainda que a diretoria pegou dinheiro emprestado “fora das regras de mercado” recorrendo a agiotas.

No encontro, Janira sugeria levar para a assembleia o maior número de simpatizantes possível para que as contas fossem aprovadas. Na gravação, fica claro que há uma briga política no Sindisprevi/Rio entre integrantes do movimento sindical Conlutas, que defende a independência de correntes sindicais do governo e reúne principalmente militantes do PSOL e do PSTU.

— A gestão atual recebeu esses problemas. Recebemos uma herança maldita e assumimos isso. O que propomos ao coletivo (diretoria do sindicato) é que supere isso — disse Janira, que no entanto observa que boa parte dos integrantes da atual diretoria já haviam ocupado cargos nas gestões passadas.

Por fim, a deputada afirma que ‘’só a política e Jesus salvam’’:

— Vê se a gente quebra a maldição e faz uma nova gestão. Com transparência e democracia. Entendeu? Porque só a política salva. Jesus e a política. A gente precisa ter essas iniciativas com o olho na rua. Se a gente for nesse caminho, a gente sai da crise. Vocês não vão ser atacados, eu não vou ficar sendo atacada. Porque o sindicato sou eu — disse Janira.

Procurada, Janira disse que não comentar as acusações enquanto não tiver acesso ao material apreendido. Ela ainda não está em Plenário.

O líder do PSOL na Alerj, deputado Marcelo Freixo, disse que ainda não recebeu cópias do áudio. Ele disse não acreditar que o dinheiro do sindicato tenha sido usado para fundar o PSOL como afirma Janira Rocha na gravação. Segundo ele, o partido, inclusive, convive com dificuldades financeiras:

— Desconheço que houve desvio de dinheiro. O sindicato é uma coisa. O partido é outra. Além disso, a deputada tem o direito de defesa. O PSOL já pediu que a corregedoria e o Conselho de Ética da Alerj que investiguem a conduta da deputada. Mas ela mesmo já deixou claro que qualquer atitude que tenha tomado é de responsabilidade dela, não do partido — dise Freixo.

A assessoria de Janira não localizou a deputada no início da atarde desta quarta-feira para comentar o teor da gravação. Os áudios integram um dossiê que dois ex-assessores tentaram vender à secretária estadual de Defesa do Consumidor, Cidinha Campos, por R$ 1,5 milhão, na segunda-feira. Cidinha fingiu interesse, chamou a polícia, e os dois foram presos, mas liberados em seguida.

Nesta terça-feira, Janira admitiu que a voz é dela, mas alegou que as declarações foram editadas e apresentadas fora do contexto original. Entre os militantes afastados, estão os dois ex-assessores Marcos Paulo Alves e Cristiano Ribeiro Valladão, que tentaram vender o dossiê. Os casos estão sendo levados também ao Conselho de Ética do PSOL com a recomendação de expulsão feita pelo Diretório Estadual do partido. A deputada e mais nove militantes que ela recrutou para o PSOL também serão investigados pelo Conselho Nacional de Ética do partido.

O corregedor da Assembleia Legislativa, deputado Comte Bittencourt (PPS), abriu sindicância para apurar a suspeita de quebra de decoro parlamentar por parte da deputada Janira Rocha. O processo pode levar até à perda do mandato.

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